domingo, 1 de março de 2009

" Eu acredito em amor. Mas eu realmente gosto de como o meu amor não é como o seu amor. "
Anônimo








Preciso que aqueles que me amam me perdoem. Que me perdoem porque – preciso confessar – eu me pareço com os esquilos... É. Eu me pareço com os esquilos... Esquilos são animaizinhos deliciosos, com sua longa cauda peluda. Qualquer um gostaria de tê-los no colo e acariciar seu pelo liso. Assentados, eretos, olhinhos assustados, eles seguram as nozes com as mãos e as mordiscam de um jeito que faz lembrar os humanos. Me disseram que eles têm o costume de guardar enterradas as nozes que não comem, com a intenção de comê-las mais tarde, quando os bosques se cobrirem de neve. Me disseram mais, que eles têm memória curta; esquecem-se dos lugares onde guardaram suas preciosas nozes. Pois eu sou assim: guardo coisas preciosas para degustá-las num momento de calma – e depois me esqueço. E elas ficam enterradas em gavetas e caixas até que, acidentalmente, as encontro de novo. Acham que fico alegre? Enganam-se. Fico muito triste. Porque elas não poderiam ter sido esquecidas. As nozes, acho que elas até ficam alegres por terem sido esquecidas. Esquecidas, elas não são comidas pelos esquilos. Quando a primavera volta elas germinam, brotam, nascem e se transformam em árvores. Toda noz quer virar árvore. Mas as coisas preciosas que ficaram esquecidas nas minhas gavetas e caixas não poderiam ter sido esquecidas – porque elas me foram enviadas precisamente para que eu as comesse. Foram presentes de pessoas que me amam, gestos de carinho. E o que elas receberam de mim, em troca do seu gesto, foi o silêncio...
Fui sempre assim, bagunçado. Minha mãe tentou me treinar para a ordem. Inutilmente. Eu mesmo tenho lutado para ser organizado. Encho-me de boas intenções e faço promessas. Mas sou sempre derrotado: depois de uns três dias a bagunça está de novo instalada no meu escritório. Fiquei conformado com a minha incapacidade para a ordem quando, faz uns anos, uma pessoa que me ama sem me conhecer me enviou um presente: um quadro bordado em ponto de cruz com as palavras “Deus abençoe esta bagunça“. Sem me conhecer, como poderia saber? Certamente foi um anjo que lhe disse. E se foi dito por um anjo, não há o que fazer...


Rubem Alves




Ouvindo: O Ultimo Romance - Claudia Leite




C - Ya



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